Ever dream this man… comin' down on a sunny day?
"Bin gar keine Russin, stamm’ aus Litauen, echt deutsch."
A pichação ou a pixação é uma extensão (ou echtensão?) do nosso vestíbulo, área semi-privada e muito vigiada.
Os contemporâneos lidam com isso pelo recuo temporal, duplamente histórico (no sentido de ser um registro e ser antigo): ok os grafites de Pompeia, mas não vá a pessoa de hoje grafitar em cima daqueles grafites.
Algumas cidades, geralmente aquelas grandes demais para serem governadas sem uma corrupção profissional, reservam espaços e reconhecimento para a pichação. Não se espera pixação nem pichação no Beco do Batman.
Sendo a escrita memória expandida, nosso HD externo, fica um tanto evidente que o modo como nossos donos (aquelas pessoas que têm e detêm o poder) lidam com o grafite e a pichação antecipa o modo aceitável para o que escrevemos nas redes, que são eternas enquanto duram as legalidades.
[Entra aqui aquela marca de potes e pratos marrons de vidro temperado.]
Há algum tempo já se forma o consenso de que o que alguém postou no Twitter lá no passado, quando estava doidão, não deve ser usado como base para se condenar o presente de alguém ou a pessoa de hoje. Isso afirma como o vestíbulo digital perdura, e afirma a disposição para se criticar o nosso grafite digital, talvez descartando o passado histórico, a nossa Pompeia grafitada quando estávamos doidões ano passado, dez anos atrás ou no começo do Twitter …
E reafirma a vigilância atemporal que o mundo digital parece conferir.
O inverso também assusta: seria possível desaparecer com informações indesejadas, “aquilo que o governo” ou quem estiver no poder “não quer que você saiba”.
Daí o “procure saber” soar amargo como deveria. Caetanização, canetação ou acareação, nobre Cérbero?
Daí também a sabedoria máxima conservadora só conseguir nos oferecer um tímido “procure evitar”. Procure não dar bandeira, não dar mole nem dar pala. Procure não xingar gente com mais dinheiro, poder e tempo livre que você nas redes. Ou virá o processinho.
Conservadorismo é o último reduto do malandro.
A absolvição da História antiga e a criminalização do presente (Pompeia pode, xingar ministro na rede, não, amiguinho) e a sanitização urbana (Beco do Batman é arte, stand-up em teatro dá multa e reclusão) distorcem o Owell que em nós habita, aquele do “quem controla o presente controla o passado; quem controla o passado controla o futuro”.
A onda de absolver o passado não serve apenas para vender curso de História alternativa, revisionismo e novas perspectivas. No mundo tilelê o resgate das (minhas, suas, nossas) heranças e da ancestralidade, quase ancesteatralidade ou navegação por arquetipagem, já toca nos temas caros do malandro conservador, ainda que por enquanto o dinheiro vá para outros malandros.
(A cabotagem do Ribamar Sarney e a do Gore Vidal se dão as mãos e dizem adeus.)
É belo & sentimental o “seus pais fizeram o melhor que podiam” e “os antigos eram mais espertos que a gente”, e mesmo o conservador se adorna com a plumagem da “emoção recolhida em tranquilidade”, possível motor poético e martelinho de ouro.
Isso não é endosso dos analíticos. Há algo sublimado ali entre eles, e muito estranho. O fato de “não ter muita mulher” ou não serem conhecidas as grandes pensadoras e acadêmicas importantes da filosofia analítica também sugere muito.
O sentimentalismo em alguns desperta a ironia, acorda o sarcasmo. Amém, Oswald de Andrade. No entanto, o esforço das elites (Lasch, Alan Bloom) e dos populares (DFW, influencers do bom-senso) para passar um pito moral e intelectual na ironia óbvia acaba respingando até contra a turma do sarcasmo, igualmente suspeita e malvista.
God ’s in His heaven—
All ’s right with the world!
Para mais pichação:
Romance inofensivo, mas bem escrito: Quero dançar até as vacas voltarem do pasto
Polaris e Mariana, dois volumes de contos para quem gosta de contos e para quem odeia contos.
A lua de Hayek, e-conto cyberpunk sobre um futuro próximo onde livros de papel são caros e raros e o governo controla até o clima.
Um dos nomes do pai, e-book com título inspirado na frase de Lacan, de que Satanás também é um dos nomes do pai.